sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"À procura de Eric", Ken Loach (UK), 2009




“À procura de Eric” fala sobre o acerto de contas com o passado, tão necessário a sobrevivência daqueles que passam a vida a fugir de si mesmos. O filme tem início com personagem principal, Eric Bishop, dando voltas em círculos numa rotatória, com seu carro. Uma cena de uma claustrofobia extenuante. Assim como na rotatória, Eric apenas anda em círculos em sua vida, sem nunca chegar a lugar algum. Estas são sucedidas por cenas cômicas e leves, de Eric com seus amigos, quando estes ainda achavam que Eric apenas “andava um pouco triste” e precisava que o fizessem rir.

Somo introduzidos a vida de Bishop, que entre a cerveja e o futebol com os amigos, enfrenta a rebeldia de seus enteados, 2 adolescentes filhos de sua segunda ex-mulher, que estão crescendo com uma referência paterna insconstante e desequilibrada, que ainda não superou o passado. Eric está sozinho, e ainda emocionalmente dependente de sua ex-mulher, Lily, com quem teve um filho 30 anos atrás.

Eric que já foi um grande fã de futebol, e do clube Manchester United, ainda idolatra o ex-jogador Eric Cantona, conhecido como “THE KING” pelos torcedores locais. Quando, numa de suas crises emocionais, temos Bishop em em seu quarto, oprimido pelos conflitos que o atormentam, conversando com um pôster do REI, se aconselhando com a figura-símbolo dos tempos de alegria, a fumar seu baseado solitariamente, até que Cantona, o REI em pessoa, o responde numa de suas perguntas, para sua enorme surpresa.

Sim, Eric Cantona (que interpreta a si mesmo, com altas doses de auto-ironia), aparece somente para ele, e claro, o fato de ambos possuirem o primeiro nome igual não é mera coincidência. Eric está a procura de si mesmo, e para isso terá Eric Cantona como mentor e “psicólogo”, que através de conversas francas e famosas citações em francês, aconselha e encoraja seu xará a tomar as rédeas de seu destino e se responsabilizar pelas escolhas tomadas no passado.

Para tanto, terá que, entre um baseado e outro compartilhado com seu amigo Cantona, enfrentar o medo de reencontrar a mulher que tanto amou há 30 anos, limpar os armários cheios de correspondências antigas e mágoas mal resolvidas, e por fim romper a distância que impossibilita o diálogo com seus enteados, que já apresentam sinais de que as pequenas aventuras juvenis oferecem sérios riscos ao que resta daquilo que usualmente chamam de família. Sendo esta, melhor representada por seus amigos, também carteiros, e que sem os quais não teria coragem para “colocar os braços em volta da mulher que ama”, quando esta está tão perto depois de tanto tempo.

A solução de conflitos no presente se mostram intimamente interligadas com o passado, no qual o pai o oprimia e sufocava em suas decisões, desencorajando-o para a vida e suas consequências, como ter um filho aos 20 anos.

O filme conquista unidade através da busca da verdade de cada situação apresentada, não importando se tal situação é irreal, absurda, comovente ou cômica.

Através da cena final, onde com a ajuda dos amigos, todos fantasiados e uniformizados com máscaras de Cantona, representando por assim dizer, suas diversas personalidades reprimidas, que acabam por atender ao chamado de seu insconsciente, que luta para se fazer ouvir e se libertar do passado e suas dores.

Ken Loach, acaba por fazer uma obra contra o individualismo, onde as pessoas se vêem como adversárias. Toda essa solidariedade que desencadeia o final do filme é perfeitamente sintetizada pela torcidade futebol, onde fica gritante o quanto somos mais fortes numa turma, do que seríamos sozinhos.

Para surpresa de Bishop, e do próprio Ken Loach, ao ser questionado sobre a jogada mais marcante de sua carreira, Cantona afirma ter sido um passe dificílimo que resultou num belíssimo gol de Giggs. Bishop então pergunta se não teve medo de que Giggs errasse o gol, para o que Cantona diz: “precisamos acreditar em nossos companheiros de equipe”.

Acredite também em Ken Loach, e confira seu mais novo filme, que abre a 33 Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Leve seus amigos.


P.S.: Esse texto foi especialmente escrito para o pessoal do "Clítoris express". Colocarei o link do texto no site, assim que este voltar ao ar.

Valeu galera!