sábado, 28 de fevereiro de 2009

"QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?", EUA (2008), Danny Boyle







Todos já devem estar cansados da comparação com "Cidade de Deus", mas é inevitável. Danny Boyle fez sim, o seu "Cidade de Deus" indiano. E não me refiro apenas a cena inicial que chega a se confundir com a cena da galinha de Fernando Meirelles.
A edição clipada está ali, assim como no brazuca, para criar uma Índia onde o "slumdog" (favelado, do título original) seja agradável de se ver como nos morros cariocas retratado por Meirelles.

Poderia fazer a relação entre os personagens Jamal X Salim com Bené X Zé pequeno, traçar paralelos entre as duplas através do amor X ódio, e temperamentos opostos dos amigos que possuem destinos entrelaçados. Porém, Boyle não assinou o roteiro.
Sendo assim me limito às opções da direção, onde por mais que Boyle se esforce para apresentar um olhar original através de enquadramentos milimetricamente fora do eixo, alternâncias de texturas que remetem ao realismo documental quando granuladas (o que gerou algumas cenas desncessárias como a do policial que olhando para a camera pede para pararem de filmar, como se tudo aquilo fosse real), câmeras lentas que interrompem cenas de forte ação dramática, não apresenta nada de novo, nada que Tony Scott não tenha esgotado com seus filmes de ação: "Dejá vu", 2006, "Domino", 2005 e "man on fire", 2004.
Assim como os elencados, o filme abusa de flashbacks, só que diferentemente de Tony Scott, Boyle não os utiliza para cumprir o que propõe, subestimando o espectador mais atento, revelando ainda mais o quanto hesitou em fazer escolhas. Ao não optar entre o realismo e o fantástico, terminou por criar circunstâncias onde o espectador não sabe se acredita na Índia "realista" que é apresentada, com seus abismos sociais e impunidade indiscriminada ou se deve acreditar que Jamal e Salim são realmente Athos e Porthos, personagens da história dos 3 mosqueteiros e a vida miserável que levam são mascaradas pelas aventuras que desfrutam.

A impressão de que o filme foi superestimado fica latente quando analisamos o que é proposto, já que este se adequa ao entretenimento. Isso não seria nada demais, não fosse a constatação de que ele está sendo considerado maior do que isso, maior do que o diretor de Top Gun (Tony Scott), como se dissesse mais do que realmente diz, e pior, como se a intenção tivesse realmente sido esta. O filme não tem consciência de sua superficialidade, forja um aprofundamento vazio e sem sentido.

Voltando a comparação, assim como Meirelles, Boyle realizou seleções e oficinas com não atores, moradores do cenário a ser retratado. Índia, Mumbai e sua maior favela. A principal diferença reside no fato de que o ingles seja um dos idiomas oficiais da India, permitindo que a maior parte do filme tenha sido falado em inglês credenciando-o a concorrer (e ganhar) as principais estatuetas do Oscar, incluindo melhor filme e direção.

Até mesmo eu desconfiaria de estar sendo muito cruel com o filme, não fosse a trama central e seu previsível desfecho, onde o destino comprova que o amor está acima de tudo, ou quase tudo, já que aqui ele só se concretiza quando a pergunta que dá título ao filme é respondida!! Ou melhor, quando descobrimos aquele que MERECE ser milionário. O ÚNICO indiano merecedor de respeito. Aquele que compensa todos os males dos 1,3 bilhão restantes.

Único, porém o bastante para Hollywood se esforçar em agradar o mercado consumidor de um país em expansão econômica e ávido por reconhecimento do ocidente.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

"NINHO VAZIO", Argentina (2008), Daniel Burman





Tão comum nos prendermos em pensamentos que nos privam do presente. Vivemos dentro de nossas cabeças, projetando um futuro especulado em possíveis escolhas, ao invés de as realizarmos no presente. Ou será no passado nostálgico e idealizado da infância que vivemos a maior parte do tempo?

Deixamos de olhar as estrelas e nos apegamos ao relógio. Trocamos o tempo da natureza pelo tempo do consumo. Vivemos em função de um tempo externo, alheio a nós mesmos, num desrespeito às nossas necessidades essenciais para manutenção da sanidade.

É nesse terreno tortuoso e íngreme que Daniel Burman pinta o cenário onde Leonardo (Oscar Martinez) caminha. Assim como Antoine Doinel era para Truffaut, Leonardo aparenta ser para o diretor argentino Daniel Burman. Leonardo também é escritor, porém de peças. Renomado dramaturgo que ao se deparar com as incertezas de suas escolhas, em decorrência das inúmeras alternativas que a vida e as circunstancias proporcionam, acaba por criar realidades paralelas à existência dos demais, mesmo que muitos participem desse "seu mundo", sem ao menos saberem.

Leonardo é casado com Martha (Cecilia Roth) com quem tem 3 filhos. Quando os 3 crescem e partem para estudar longe, surge a necessidade ver o relacionamento de outra perspectiva. Seria tal necessidade fruto da sociedade na qual vivemos, tendo esta, papel determinante em nossas escolhas, mesmo aquelas em que acreditamos exercitar o tão falado livre-arbítrio?

Quando Leonardo e Martha se encontram nas circunstâncias onde a praxe é a redescoberta dos dons reprimidos em função da família e do matrimônio, o casal hesita em aceitar o que a sociedade espera deles. Ao mesmo tempo que se inclinam a tomar atitudes que legitimem os livros de auto-ajuda, se esforçam em certificar se estão agindo de acordo consigo mesmos.
Os desejos reprimidos ao longo do casamento se afloram, como se a inevitável independência dos filhos (e consequente abandono do ninho) servisse de pretexto ou catalisador de atitudes adiadas durante tanto tempo.

A medida em que transferem o foco de atenção dos filhos, se deparam com aquilo que se tornaram. Ela quer terminar a faculdade, cuja qual trancou a matrícula para cuidar da casa e dos filhos. Ele quer apenas ficar tranquilo, não sem antes realizar fantasias esquecidas, ou seria fantasiar realidades? Já que os encontros "casuais" de Leonardo com uma mulher de misteriosa beleza, se dão através de elipses que mais confundem os sentimentos do espectador como protagonista nesse grande jogo que é a vida através do cinema.

Em certos momentos Leonardo afirma não ter nada contra os atores cantarem nos grandes musicais, já que o que sempre o incomodou era o fato de dançarem. Contrariando seu protagonista, Daniel Burman se vale de precisos movimentos de câmera para registrar a dança entre transeuntes que se deslocam num caos ordenado, sempre através de enquadramentos inusitados, e composições que privilegiam o primeiro plano.

Assim, entre verdadeiros encontros com o outro, e principalmente consigo mesmo, Daniel Burman, parece nos querer dizer através do filme, e mais especificamente de uma cena, que para vivermos o tempo do hoje, o tempo presente, da natureza, basta nos levantarmos da poltrona logo após o término da sessão, dirigirmos em direção à saída para as ruas, e escolhermos o caminho de volta para casa, ou assim como Leonardo, que também levantou-se de sua poltrona, caminhar em direção ao nosso quarto e contarmos algo para nossa esposa.
O certo é que em ambos os casos, tanto o caminho de volta quanto o que será dito a esposa, pouco importam.
A ação precede a intenção.
Pensar não é preciso, agir é preciso.
Agir é o que importa...
"AÇÃO!"