sexta-feira, 31 de outubro de 2008

François Truffaut + Wes Anderson




Os irmãos Luke Wilson e Owen Wilson, atores sempre presentes nos filmes de Wes Anderson, em cena de "Bottle Rocket", cartaz abaixo.


Cartaz do primeiro longa de Wes Anderson, de 1996.


Truffaut em ação


“Eu me sinto parte desse grupo de cineastas para quem o cinema é um prolongamento da juventude, o das crianças a quem mandaram brincar num canto, que reconstruíram o mundo com os brinquedos e que, na idade adulta, continuam brincando através dos filmes. É o que chamo de cinema do quarto dos fundos, com uma recusa da vida tal qual ela é, do mundo em seu estado real, e, em reação, com uma necessidade de recriar alguma coisa que se aproxime um pouco do conto de fadas, um pouco do cinema que nos fez sonhar quando éramos jovens”

François Truffaut


Truffaut fez tal afirmação em uma entrevista nos anos 70, mas poderia muito bem ser atribuída a Wes Anderson em pleno século XXI, tamanho o sentido que faz se colocada ao lado da obra do norte-americano.

Assim como Truffaut, Wes Anderson sempre explorou em sua obra temas muito pessoais, muito próximos de sua realidade, desde a ambientação como em “Rushmore”, 1998, onde o pano de fundo da história é uma escola de elite que dá nome ao filme, (Wes também estudou num colégio de elite) até a classe econômica em que vive, seus personagens principais quase nunca possuem função econômica pré-determinada, como em “Darjeeling Limited” (2007), onde em nenhum momento menciona-se a ocupação profissional de seus protagonistas, embora uma das cenas dos flashbacks dos 3 irmãos, interpretados com brilho e sinceridade tocantes por Owen Wilson, Andrien Brody e o também roteirista do longa, Jason Shwartzman, envolva um carro Alpha Romeo esporte, herança do finado pai.

Nunca sabemos as profissões de seus personagens talvez porque não é através delas que seus personagens são julgados. Sua maneira de ver-retratar a sociedade privilegia o ser humano em suas contradições, prefere expor as dores e alegrias de seus personagens, fazê-los dividir com o público suas frustrações e conquistas, sem jamais perder um tipo de humor, tão raro, talvez, único no cinema contemporâneo. Seus personagens transitam entre a dor e as alegrias, culminando com freqüência na redenção, sem nunca soarem piegas. Talvez por isso seja o cineasta que possue um dos raros dons artísticos (na minha opinião), o de fazer rir e chorar simultaneamente. Ri-se de si mesmo, as lágrimas escorrem à medida que o público se identifica com os personagens e seus dilemas, não importa tenham eles uma Ferrari conversível(carro do personagem de Owen Wilson em "Royal Tenembauns), ou andem de “táxi cigano” (o “gipsy cab”, táxi caindo aos pedaços, usado por vários personagens em “Royal Tenenbaums”, 2001).

Assim como Truffaut também o foi, injustamente claro, Wes Anderson poderia correr o risco de ser acusado de fazer um “cinema burguês”, termo ultrapassado, que ainda fazia sentido na França dos anos 70, não fosse a sinceridade com que aborda os conflitos e o respeito com que trata seus personagens, desde os coadjuvantes (que fazem toda a diferença) como o Pagoda de “Royal Tenenbaums” (2001), personagem este, que se não for o mesmo, aparece nos demais filmes do diretor personificado pelo mesmo ator, até mesmo em seu longa de estréia: “Bottle rocket” (1996). Preocupação esta também encontrada nos filmes de Truffaut, onde personagens coadjuvantes possuem cenas aparentemente sem sentido, como a do suposto “psicopata” que habita o vilarejo do então vendedor de rosas Antoine Doinel, em “Domicílio Conjugal” (1970).

Muitos classificam o cinema de Wes Anderson simplesmente de atual e de estética extremamente apurada e moderna, por isso o “hype” no título do texto, sem dúvida, sua fotografia e direção de arte são modernas e estilizadas, se distanciando do real através de cores vivas e planos seqüência que não possuem o compromisso de manter o espectador preso ao “mundo real”, sua realidade se aproxima da tentativa de reconstruir um mundo próximo dos contos de fadas que Truffaut citou. Cria um mundo irreal, sem contar mentiras, ou se as conta, o faz de maneira tão sincera que passa a ser uma qualidade, como em “Life Aquatic with Steve Zissou” (2004), onde além da estética exuberante, que por muitas vezes faz com pensemos se tratar de uma animação ou jogo de videogame, o roteiro possui características Fantásticas, como na cena em que encontram o tubarão gigante, objeto de desejo do explorador que dá nome ao filme, interpretado por Bill Murray, que parodia “Kojac”.

Wes Anderson vai além de sua estética extremamente apurada e peculiar, transcende a sinceridade contida nas histórias à medida que elabora símbolos para as mesmas. Como os curativos que o irmão mais velho de “Darjeeling limited” (2007), interpretado por Owen Wilson, ostenta em quase o filme inteiro, curativos que apenas fazem sentido numa das cenas de maior cumplicidade do filme, onde a coragem para se expor do personagem ao retirar as ataduras, acaba por revelar as feridas que por mais da metade do filme escondeu de seus irmãos. Os machucados ainda não cicatrizaram, o passado ainda não foi superado, tendo finalmente os irmãos real consciência da viagem que desde o início foi a tentativa de cura dessas feridas que ficaram abertas um ano antes, com a morte do pai. Na cena seguinte, é apresentada o símbolo da redenção, ao se repetir uma cena que já havia acontecido em outros dois momentos do filme, onde os personagens correm para alcançar o trem, que pode ser entendido como a vida, que está sempre seguindo seu curso, sem nos avisar para tanto (estamos sempre correndo atrás do trem?). Sendo essa cena específica a da redenção, devido ao abandono das malas que carregaram ao longo da viagem, todos os personagens abandonam suas bagagens à medida que correm para alcançar o trem, finalmente conseguem se desprender do passado, e esquecer as diferenças. Na cena seguinte os vemos sorrindo entre si e finalmente adentrando no trem, mais leves e seguros do papel de cada um.

Assim como Truffaut, Wes após nos fazer rir de uma determinada cena, apresenta uma seguinte, onde nos faz questionar sobre o que acabamos de rir. Truffaut dizia isso abertamente, sempre se gabou de brincar com o público, de vê-lo se contorcer nas poltronas do cinema por ter julgado um personagem. Wes deixa isso claro em seu último filme, no momento em que o público ri quando o personagem de Adrien Brody ao terminar de ler uma das histórias escritas por seu irmão mais novo, rindo, questiona se esta, é verídica ou não (a esta altura o público já desconfia que as histórias são baseadas em acontecimentos reais, porém o irmão mais novo, autor destas, insiste em dizer que são mera ficção). Na cena seguinte, nos deparamos com o irmão que acabara de rir, lendo e chorando compulsivamente no banheiro do trem. Somos arrebatados pelo real sentimento que os escritos desperta no personagem. Cenas aparentemente simples, como esta, sem diálogos, mas que dizem muito mais que qualquer palavra, acabam por revelar uma dificuldade do homem moderno em lidar com seus sentimentos, em expor suas fragilidades, até mesmo na frente de pessoas que se julga próximas, como seu próprio irmão.

Como num prenúncio do que viria, o cartaz de seu primeiro longa(cartaz está no começo do post), “Bottle Rocket”, tem uma frase que define toda obra. A frase era a seguinte: “They´re not really criminals, but everybody´s got to have a dream” ( eles não são exatamente criminosos, mas todo mundo precisa ter um sonho ), a frase de maneira irônica e sincera, resume bem a geração de Wes Anderson, que em meio a tantas incertezas do mundo globalizado, sem ideologias e heróis, precisa acreditar em algo, mesmo que esta crença faça sentido somente para seus amigos.

Apresentando: Nouvelle Hype

O título que dá nome ao blog surgiu do título de minha primeira tentativa de "discutir" comigo mesmo um filme, no caso, a obra de um cineasta que gosto muito, ou melhor...bom, na próxima postagem revelo tal "discussão", usualmente chamada de "Crítica".
"Nouvelle Hype" surgiu da união entre a primeira parte do termo "Nouvelle vague", atribuído ao "movimento artístico" francês dos anos 60, que em português significa "nova onda", e "hype", da gíria inglesa usualmente utilizada para classificar novos produtos artísticos que a mídia (principalmente britânica) fabrica da noite para o dia. Truffaut dizia que a nouvelle vague de sua época também era invenção da mídia, mas isso fica para outro dia...rs
Claro, se trata de uma brincadeira, uma fina ironia que ilustra bem a pretensão desse que vos escreve, que a de é transitar pelo terreno existente entre o "novo cinema" francês dos anos 60, que hoje anda hype, e o cinema independente norte-americano, que hoje anda "nouvelle vague".rs
Minha primeira "discussão comigo mesmo" foi uma tentativa de traçar paralelos entre os filmes de diretores dessas duas vertentes cinematográficas, que quanto mais se distanciam no tempo, se aproximam no conteúdo, e por vezes, forma.